Deixei meu coração em modo avião. Hoje não quero criar
expectativas, controlar o que não posso, me culpar por aquilo que não depende
só de mim.
Desisto de procurar sinais nas entrelinhas, esperar
reciprocidade, exigir respostas. Quero a paz de não saber tudo, a tranquilidade
de não controlar quase nada, a bonança de não sofrer por antecipação, a
calmaria de não esperar nada de ninguém além de mim mesma.
Deixei meu coração em modo avião. Vou parar de cutucar minhas
feridas, jogar fora os excessos de minhas gavetas, ocupar os lugares que
guardei para quem não quis seguir viagem ao meu lado. Vou tomar chá de amnésia
e sumiço, ensaboar a alma com perfume de oceano e deixar a água levar o que
entristece e empobrece.
Vou tirar meus sapatos, deixar morrer algumas saudades, ficar
confortável na minha solidão. Vou abandonar meus julgamentos e deduções, fugir
das comparações, descomplicar minha tristeza e firmar pactos com a leveza. Vou
exigir senha da melancolia e fugir da fila da nostalgia. Vou assumir um
compromisso com a serenidade e aquietar o som da goteira da imaturidade.
Deixei meu coração em modo avião. Hoje quero me despedir das
dores que de tão presentes viraram amigas, das mágoas que perderam o prazo de
validade, dos pesos desnecessários que atrasaram minha marcha. Quero me vestir
de perdão, absolver as causas dos meus tropeços, arejar meus ressentimentos,
libertar minha culpa.
Quero tecer momentos de simplicidade, bordar auto-gentilezas,
pescar coragens. Quero ter a ousadia de me ouvir com zelo, ser generosa com
meus anseios e cuidadosa com meus receios. Quero ser surpreendida em momentos
de pouca expectativa, e ser pega de surpresa com um riso farto que estava
guardado na minha barriga.
Quero borboletas no estômago, vagalumes no olhar e joaninhas
embaraçando meu caminhar. Quero ser jardineira de harmonias e semear poesia de
Manoel de Barros sob a luz do sol do meio dia. Quero beber doçuras do silêncio,
fotografar melodias da tranquilidade e construir abrigos de simplicidade.
Deixei meu coração em modo avião e descobri que prezo mais um
teto feito de estrelas que um céu cheio de preocupações; uma companhia simples
e verdadeira pra rachar uma pizza que um jantar sofisticado ao lado de gente
ranzinza; um vestido de chita cheio de poesia que um longo Dior ofuscado de
idolatria.
Depois de manter por tanto tempo meu coração em modo avião,
revi minhas prioridades. Já não funciono mais no compasso das esperas, mas
aprendi a valorizar o que tem vocação de eternidade, o que apascenta minha alma
e acalenta meu espírito. Tenho pressa de ser feliz e preguiça de sofrer por
miudezas. Desejo bagagens leves, com rodinhas ultradeslizantes, e todos os dias
escolho a mim mesma, sem máscaras, fingimentos, disfarces ou ilusões. Escolho a
mim mesma com todas as dificuldades e imperfeições, com todas as certezas e
divagações, com todas as coragens e aversões.
E então, recuperado o auto-respeito, tirei meu coração do
modo avião. Hoje sei que não preciso me esconder para ser feliz, mas aprendi a
reconhecer onde posso e devo me demorar. E resolvi me demorar no cheiro dos
livros, na visão da roda-gigante iluminada que me lembra a própria vida, no som
de uma conversa amiga, no gosto conhecido de uma receita antiga. Sem pressa,
sem corridas, sem cobranças. Apenas pelo prazer de estar na vida que escolhi,
uma vida vestida de sorrisos, buscadora de motivos que curem, apascentem e
aquietem o coração…
(Revista Pazes)