quarta-feira, 27 de abril de 2011

ENTRE NÓS



© Letícia Thompson

Amar é importante. Sentir o amor, sentir-se amado é importante.

O grande mal que atinge o mundo é a ausência daquilo que chamamos o maior de todos os sentimentos e a maior dentre todas as coisas. Não falo aqui do amor carnal, embora este entre em conta na contabilidade da felicidade
de cada um de nós. O que falo é no amor que gera a atenção, aquele devido e reclamado
por cada ser, mas mais reclamado que tudo, como se o dar não fizesse parte do acordo implícito em cada relação humana.

As pessoas desinteressam-se das outras, porque dizem-se ter o suficiente com os próprios problemas. E o têm, provavelmente. Mas o que gera o isolamento, a solidão temida, é justamente querer receber aquilo que nos recusamos a dar. O que falta é a atenção necessária ao outro para sentir-se, pelo menos, ouvido e parte integrante na roda da vida.

Cada um fala por si e poucos são os que se importam realmente com que o outro diz, com seus reais sentimentos, suas reais razões. Muitas e muitas vezes quando um fala, o outro já está preparando-se para dizer, sem ponderar, aquilo que ele mesmo pensa ou sente.

Pessoas tornam-se assim, surdas às outras, porque só conseguem ouvir a voz do próprio egoísmo, não por maldade, mas pelo apelo das próprias necessidades. Pessoas juntas sentem-se sozinhas, casais unidos pela vida sentem-se abandonados, amigos criam relações superficiais, pais e filhos distanciam-se.

Olhar nos olhos do outro é importante. Perceber a dor ou a felicidade e compartilhar dela é fundamental ao outro na sua necessidade de se sentir amado.

Poucos, raros mesmo, são os que param o que estão fazendo quando o companheiro, amigo ou colega de trabalho precisam falar. Parte do que se diz fica desconectada no ar e a outra parte, invariáveis vezes, esquecidas depois. Numa fração de segundo a frase “do que mesmo estávamos falando?” pode entrar na conversa,deixar um sem ação e o outro sem graça.

A atenção dada ou recebida faz parte do tratamento e da cura dos males que tomam conta do mundo, ela reforça relações, cria laços, solda, une e faz bem.

Não ouvimos Deus porque não queremos ouvir, porque, quem sabe, o que Ele quer nos dizer nos desagrada e contraria, mas Ele fala e só percebemos isso depois com o infalível “eu sabia” que nos fere como um punhal. Não somos ouvidos por Ele porque não abrimos inteiramente nosso eu, temos sempre pressa, estamos sempre ocupados.

Entre Deus e nós e entre nós e os outros somos os que definimos o tipo de relação que temos.

Podemos colocar o primeiro tijolo ou esperar que alguém o faça. Porém a ordem com que este é colocado influencia e determina cada um dos nossos passos e abre ou fecha para nós as portas do paraíso.




domingo, 17 de abril de 2011

ERICH FROMM



"Se verda­deiramente amo alguém, então amo a todos, amo o mundo, amo a vida. Se posso dizer a outrem “Eu te amo”, devo ser capaz de dizer: 'Amo em ti a todos, através de ti amo o mundo, amo-me a mim mesmo em ti'."

(Erich Fromm)

SENTIR-SE AMADO

Martha Medeiros

O cara diz que te ama, então tá.

Ele te ama.


Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.


Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.


A demonstração de amor requer mais do que beijos e verbalização, tenha a santa paciência. Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo,que você sabe que vai estar lá se precisar; que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. "Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho."


Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d’água. "Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando?" Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. "Vem aqui, tira esse sapato."


Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele em que se pode confiar porque você sabe que não irã trair a sua confiança, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido.


Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta e dá a sua opinião.


Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.

sábado, 9 de abril de 2011

SUGESTÃO


Sede assim — qualquer coisa

serena, isenta, fiel.


Flor que se cumpre,

sem pergunta.

Onda que se esforça,

por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente

os noivos abraçados

e os soldados já frios.


Também como este ar da noite:

sussurrante de silêncios,

cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,

sustentando seu demorado destino.

E à nuvem, leve e bela,

vivendo de nunca chegar a ser.


À cigarra, queimando-se em música,

ao camelo que mastiga sua longa solidão,

ao pássaro que procura o fim do mundo,

ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

Cecília Meireles

INTIMIDADE

Houve um tempo, crianças, em que a gente não falava de sexo como quem fala de um pedaço de torta. Ninguém dizia Fulano comeu Beltrana, assim, com essa vulgaridade. Nada disso. Fulano tinha dormido com ela. Era este o verbo. O que os dois tinham feito antes de dormir, ou ao acordar, ficava subentendido. A informação era esta, dormiram juntos, ponto. Mesmo que eles não tivessem pregado o olho nem por um instante.


Lembrei desta expressão ao assistir Encontros e Desencontros. No filme, Bill Murray e Scarlett Johansson fazem o papel de dois americanos que hospedam-se no mesmo hotel em Tóquio e têm em comum a insônia e o estranhamento: estão perdidos no fuso horário, na cultura, no idioma, e precisando com urgência encontrar a si mesmos. Cruzam-se no bar. Gostam-se. Ajudam-se. E acabam dormindo juntos. Dormindo mesmo. Zzzzzzzzzzz.


A cena mostra ambos deitados na mesma cama, vestidos, conversando, quando começam a apagar lentamente, vencidos pelo cansaço. Antes de sucumbir ao mundo dos sonhos, ele ainda tem o impulso de tocar nela, que está ao seu lado, em posição fetal. Pousa, então, a mão no pé dela, que está descalço. E assim ficam os dois, de olhos fechados, capturados pelo sono, numa intimidade raramente mostrada no cinema.


Hoje, se você perguntar para qualquer pré-adolescente o que significa se divertir, ele dirá que é beijar muito. Fazer campeonato de quem pega mais. Beijar quatro, sete, treze. Quebram o próprio recorde e voltam pra casa sentindo um vazio estúpido, porque continuam sem a menor idéia do que seja um encontro de verdade, reconhecer-se em outra pessoa, amar alguém instintivamente, sem planejamento. Estão todos perdidos em Tóquio.


Intimidade é coisa rara e prescinde de instruções. As revistas podem até fazer testes do tipo: “descubra se vocês são íntimos, marque um xis na resposta certa”, mas nem perca seu tempo, a intimidade não se presta a fórmulas, não está relacionada a tempo de convívio, é muito mais uma comunhão instantânea e inexplicável. Intimidade é você se sentir tão à vontade com outra pessoa como se estivesse sozinho. É não precisar contemporizar, atuar, seduzir. É conseguir ir pra cama sem escovar os dentes, é esquecer de fechar as janelas, é compartilhar com alguém um estado de inconsciência. Dormir juntos é muito mais íntimo que sexo.

(Martha Medeiros)

domingo, 3 de abril de 2011

EU E A QUARESMA

Para começar, esta Quaresma está sendo diferente, algo está se movendo dentro de mim, mais precisamente em meu coração. Ele clama por uma sincera e autêntica conversão ao Senhor.


Muitas coisas acontecem em nossas vidas, no decorrer da nossa existência, que ignoramos, deixamos de lado, ou não damos o valor merecido, não nos aprofundamos para entender o seu real significado. Muitas coisas nos tocam profundamente, sabemos e passamos por cima. Claro que isso acontece comigo, com vocês.

Aí vem a Quaresma e nos leva, empurra para dentro, para os recantos mais fechados do nosso coração, o lado “dark”, aquele que muitas e muitas vezes sabemos existir, mas fugimos dele, não o assumimos. É difícil admitir que carregamos um lado sombrio, precisando de um cuidado especial.


Estou retomando olhares mais compassivos, mais luminosos para os que caminham comigo. Comecei perguntando-me: será que vejo o meu próximo com os olhos de Jesus? E como sou vista? Nem sempre gostamos de algumas pessoas, ou seja, não nos simpatizamos, mas devemos amá-las como Ele. Às vezes, é tão difícil. Um trabalho interior que mexe com as nossas estruturas, com o lado fechado, turrão. Quanta soberba!


Há um pequeno passo, porém nada fácil, a ser dado: pedir a Deus a graça de conceder o perdão a quem nos machucou, ofendeu. Se feri, com certeza o fiz, que eu dê o passo em direção à pessoa e peça perdão. É tempo de reconstruir as pontes de reconciliação.


Estou examinando aqui a minha consciência, e isso é muito difícil diante do conhecimento da verdade, não é fácil de admitir culpas, erros. Ergui muralhas, fechei meu coração muitas vezes para irmãos... e se existem muros, como posso caminhar abertamente, fraternalmente na missão a mim confiada pelo Redentor?


Como na Natureza, vivenciamos o Outono da Igreja, a Quaresma, estação marcada pela renovação, momento do desvencilhar-se, do libertar e do deixar cair por terra o “homem velho”, a “mulher velha”, para dar lugar a “homens e mulheres novos”. E eu nesse contexto? Estou tomando coragem para abandonar as minhas “folhas velhas, amareladas”, podar os “galhos secos” que permanecem em meu coração, já sem vida. Fácil? Não, nada nada.


Opto pela poda do orgulho, da pequenez, da falta de compreensão com o irmão, da insegurança, de outros “galhos” que insistem em permanecer presos ao meu coração.


Creio que esta Quaresma gerará em meu coração sentimentos de alegria, de bem estar, de compaixão e amor por poder fazer algo de bom a alguém, por estender minhas mãos ao irmão abandonado, afastado do meu convívio. Basta que eu seja uma discípula-missionária atenta aos ensinamentos de Jesus, observadora também da sábia Natureza. Estarei pronta então? Não. Sou caminhante, aprendiz e em busca da minha conversão.


Que o Espírito Santo nos torne pessoas mais sábias, mais acolhedoras e confiantes, plenas do amor de Deus, pela Graça que vem do Céu.

Bendita e Santa Quaresma a todos!


Nair Pimenta

Damien Rice - The Blower's Daughter - Official Video