Gentileza gera gentileza.
Pois é, mas acho que ser
gentil não é ser bem educado, ser gentil é ser bem humano.
Não é gentil quem age de mal
grado com um sorriso no rosto, quem demonstra curiosidade por uma história
enorme narrada por um amigo bocejando por dentro, quem responde uma mensagem na
madrugada só por educação. Gentileza não é só tratar as pessoas com sorrisos e
‘sins’ e evitar conflitos e evitar desacordos. E esconder verdades quando estas
forem duras de dizer. Gentileza é mostrar verdades com jeitinho, é dizer não, é
mostrar falta de interesse, é fazer cara de cansaço e desanimo, é pedir licença
e mostrar as cartas com delicadeza, é pedir pra sair. E tratar com cuidado a
delicadeza do outro. A maior gentileza que alguém pode oferecer é a
transparência. É a humildade de dizer a verdade. Ser gentil é perder o
profissionalismo quando preciso e deixar transparecer o corpo e a mente
cansados e pedir a gentileza dos outros para te dar espaço hoje para ser de
carne e osso. Gentileza é a gente deixar o outro ser de carne e osso. Gentileza
é calor humano. É uma alma esquentando a outra através do olhar. Sorrisos artificiais,
comentários ensaiados, frases decoradas, preocupações encenadas não aliviam
nada, não são gentis. A gentileza pode estar num olhar cansado, num afastamento
na falta de sentimento, numa mão que não se deu, num passo atrás, numa
ausência. A gentileza pode ser uma conversa curta, uma coragem de dizer não, a
coragem de tocar em assuntos delicados. Ser gentil é tocar em assuntos
delicados com delicadeza, ser gentil é machucar avisando que vai doer um
pouquinho, é destruir sentimentos, mas de preferência com um tiro só, certeiro,
é desligar o aparelho de palavra doces e educadas que mantém vivo o amor no
coração do outro. Ser gentil é matar. É deixar a dor do outro doer em paz. E já
não querer ajudar a cicatrizar com preocupações robóticas que poderiam gerar
suspiros falsos de vida. É desejar o bem e não mais voltar se é isso que se
deseja por dentro. Ser gentil é conversar, é falar o que se pensa, o que se
passa, do começo ao fim, e acima de tudo, ser gentil é saber ouvir. Ser gentil
é ceder um pouco de tempo, um pouco de ouvido, um pouco de palavras, um pouco
de ânimo. Ser gentil é sinalizar. É deixar-se conhecer. Gentileza é mostrar os
terrenos para que o outro possa escolher se quer pisar.
Ser gentil é um agir antes que
sentimentos ruins maiores se instaurem: raiva, rancor, tristeza profunda.
Se você for gentil de carne e
osso, você não vai precisar aprender quando ceder o lugar no ônibus, como agir
com o funcionário novo da empresa, como sorrir para um novo amigo, como se
expressar sobre a comida um tanto estranha de sua nova sogra, como opinar sobre
o cabelo novo de seu amigo. Se você for gentil de carne e osso você vai saber
instintivamente como não ser insensato com corações. Quem é gentil de carne e
osso é gentil mesmo quando ninguém está olhando, é gentil com as plantas de
casa, é gentil consigo mesmo, no próprio pensamento que aprendeu a não se
autojulgar, autossabotar e autopunir tanto e sabe cuidar das próprias dores sem
raiva e sabe cultivar os amores sem ansiedade.
Gentileza gera gentileza, porque
calor humano gera calor humano.
Sejamos gentis de carne e
osso!
(Clara Baccarin)