A quarentena
surpreendeu a todos. Havíamos recém entrado em março, quando 2020 começaria pra
valer, mas em vez de dar início ao cumprimento das resoluções de fim de ano,
fomos condenados à prisão domiciliar, mesmo não tendo cometido crime algum.
Paciência: ser livre se tornou um delito. Parece injusto, mas chegou a hora de
entender que não podemos ter sempre o que queremos.
Gostaríamos muito
de rever os amigos e parentes, fazer a viagem planejada, torcer pelo nosso
time, ir ao pilates, ao cabeleireiro, tomar uma caipirinha com o crush, comparecer
às formaturas e casamentos. Gostaríamos de ver as lojas abertas, o comércio
aquecido, os índices da bolsa subindo, o dólar baixando.
Gostaríamos de
acreditar que todos os líderes do mundo estão errados e só o nosso presidente
está certo. Gostaríamos de ter alguém lúcido e responsável no comando do país.
Mas, infelizmente, you can´t always get what you want. Não por acaso, foi essa
a música escolhida pelos Rolling Stones em sua participação no comovente One World/Together
at home, evento transmitido ao vivo em 18 de abril, onde diversos artistas,
personalidades e profissionais da saúde uniram-se online, cada um em sua casa,
para lembrar que somos todos absolutamente iguais diante de uma ameaça, e que o
distanciamento social é a saída, mesmo
que não seja o que a gente quer.
Seu desejo é uma
ordem? Não mesmo. Frase cancelada, como canceladas foram as peças de teatro, os
jogos de futebol, as liquidações, o happy hour depois do expediente – e o
próprio expediente. Aposentadoria antes da hora, por tempo indefinido. Qual
será o legado, o que aprenderemos desta experiência?
Que consumir por
consumir é uma doença também. Que o céu está mais azul, a vegetação mais verde
e o ar mais puro: não somos tão imprescindíveis, a natureza agradece nossa
reclusão. Que há muitas maneiras de se comemorar um aniversário, mesmo sozinho
em casa: vizinhos cantam em janelas próximas, amigos deixam flores na portaria
do prédio, organiza-se uma reunião por aplicativo. Emoção genuína, festa
inimitável. E pensar que há quem gaste uma fortuna com decoração de ambiente,
DJ da moda e champanhe francês para 500 convidados, e ainda assim não consegue
se sentir amado.
Já tivemos, poucos
anos atrás, uma greve de caminhoneiros que serviu de ensaio do apocalipse. Pois
já não é mais ensaio, é apocalipse now. Não desperdicemos a chance de
amadurecer, simplificar, mudar de atitude. De valorizar o coletivo em
detrimento do individual. De praticar um novo método de convívio: uns pelos
outros, sempre, e não só na hora do aperto. De fazer deste imenso país uma
nação mais homogênea, em prol de uma existência menos metida a besta.
(Martha Medeiros)