segunda-feira, 16 de agosto de 2010

SOBRE A ALEGRIA E O AMOR


Assim como é preciso alguma crueldade para viver,
assim como há sempre alguma agressão embrulhada
em qualquer vitória, assim, também,
a alegria precisa de alguma inconseqüência.
De outro modo, restará apenas a lucidez,
que é sempre repleta de ‘trágicos deveres’.
Libertando-nos da plena consciência,
a inconseqüência nos permite alguma alegria possível.

Por isso, o amor não está ligado à alegria.
É que o amor não busca a alegria. Busca a felicidade.
Os que buscam a alegria devem desistir do amor.
O amor é um sentimento ligado à lucidez, aos trágicos deveres,
à renúncia, à compreensão das contradições.

Amor é empreendimento da mais difícil das escaladas,
a que tem como meta não chegar a parte alguma, talvez.
É, sim, capaz de suscitar aquele sentimento que se mistura
absolutamente à vida, tornando-se corriqueiro, natural, mal
percebido, cotidiano, sem grandezas, feitos extraordinários,
emoções particulares ou excitantes. Mas permanente.
E feliz.

O amor, só ele, mantém juntas as pessoas que já não
dependem das hipnoses do próprio sentimento para senti-lo.
No dia em que elas descobrirem o amor que estala dentro da relação
aparentemente pacificada, talvez comecem a descobrir a beleza,
a grandeza e a profundidade do que têm em comum.
Só aí sentirão as emoções verdadeiras do mais
profundo, difícil e complexo dos sentimentos.

Aqui reside, pois, a complicação do amor.
Ele só é descoberto quando ultrapassa o amar.
Só aparece quando a perda ameaça se instalar.
Só se torna visível quando ameaça desaparecer.
Está onde menos se espera. E é profundo, vital, doador, salvador.
Independe de exaltações. Como fonte, flui sem parar. Sereno.

É preciso muito viver, muito desilusionar-se, muito gostar,
muito sentir, muito experimentar, muito perder, muito
entediar, muito renunciar, para encontrar o próprio amor.
Falo do amor guardado não se sabe em que dobra da gente.
Arthur da Távola